domingo, 18 de novembro de 2007

Sobre o "pensar simples"

A humanidade encontra-se hoje envolvida pela cortina da razão. Possuir o conhecimento e racionalizar o mundo são duas ferramentas indispensáveis dentro da sociedade atual. Mediante a isto, o homem acredita ter deixado para trás sua ignorância e atingido então uma era de um novo conhecimento, uma nova razão. Mas esta razão é que condena o próprio homem. Pois este tornou-se escravo da mesma, enclausurado em uma redoma e incapaz de compreender qualquer coisa fora do âmbito racional.
Claro que isto pode ser dito apenas em uma visão superficial, pois é evidente que isto não é um padrão imutável. Se o fosse, teríamos deixado há muito tempo nossa síntese criativa de lado, a fim de valorizar nossas capacidades racionais. O que aponto na verdade é a ausência do pensar simples. Não como uma apologia ao "voltar à inocência", de forma alguma, mas sim como um meio de abandonar a miríade de idéias e suposições para voltar, ainda que por um momento, para a realidade.
Este pensar simples apresenta-se como uma tentativa de voltar-se às coisas em si, assim como nos propõe a fenomenologia. Deixar, ainda que por um instante de pensar para além do objeto para se fixar no mesmo. É evidente que este comportamento de eterna racionalização não é generalizado, e também apoia-se em bases culturais. Mestres orientais em diversas áreas são categóricos ao afirmar que os ocidentais são extremamente inteligentes, e capazes de uma ampla dedução lógica. Mas desconhecem a lógica do pensar simples, do fazer sem questionar, do viver sem pensar em nada além do agora.
Retornando ao discurso fenomenológico, o pensar simples pode traduzir-se como uma tentativa de voltar-se ao ser em si, colocar-se no mundo e em função dele, atuando num sentido de absorver o externo e não debruçar-se sobre ele, na tentativa de modifica-lo. A grande dificuldade é que a racionalização tem-se feito extremamente presente no mundo todo. O aquecimento global é traduzido em valores de emissão do gás carbônico, enquanto a guerra é traduzida em número de baixas e a sociedade e sua condição econômica são transformadas em índices de uma pesquisa de desenvolvimento populacional. É a razão atuando e devorando o ato em si.
Nenhum número é capaz de refletir de forma tão fiel os destroços da guerra quanto observar os corpos dos soldados no chão após um confronto. Nenhum número pode refletir a real miséria de um povo. Estes números, usados para afastar-nos do real, acabam tornando-se nada mais que ferramentas institucionais, nas quais nos apoiamos para deixarmos o fato de lado. Este pensamento racional tornou-se arma, e muitas vezes defesa, contra o mundo real. Mas para resolver os problemas, devemos olhar para eles, e não para a interpretação dos problemas. Ver o fenômeno é identificar-se com ele.
Porém, para isto, é necessária uma transformação do modo de pensar. É óbvio que o pensar simples não deve ser dominante, pois seria simplesmente uma substituição do racional pelo direto e simples. Mas aponto que este deve ser atuante, ou seja, presente, de modo que possa então contribuir para que o homem possa assim caminhar para o futuro, mas sem esquecer das lições que só o real pode proporcionar.

2 comentários:

Prof. Bido disse...

Bruno:

Obrigado por sua participação.
Você tem conseguido pensar simples? Eu tenho tentado, mas é difícil.

abs

Bido

Bruno Marques disse...

Devo assumir que não tenho conseguido exercer este pensamento. Mas é preciso tentar. Dificil é de fato (e me permito acrescentar que mediante a um problema pessoal tenho encontrado muitas dificuldades), mas que fazer senão continuar tentando? O pensar simples é um exercício, e assim como você mesmo disse, é preciso o esforço e o exercício para que possamos viver aquilo que existe em nossas mentes.

Continuarei escrevendo.

Abraços,

Bruno