domingo, 18 de novembro de 2007

Vida de Incapacidade

Característica presente, a incapacidade individual. Quantos não vivem a proferir que não podem, que tiveram um problema? Quantos colocam-se como vítimas? E quantos assumem seus atos? Quantos falam aquilo que querem falar, sentem aquilo que querem sentir?
Talvez as proporções precisem ser reorganizadas, pois a balança tem pesado demais para um lado só. E de que adianta um mundo de coitados indefesos sem ninguém que queira assumir a responsabilidade de arrebanhar as massas. Somos sim, um mundo sem líder.

Sobre o "pensar simples"

A humanidade encontra-se hoje envolvida pela cortina da razão. Possuir o conhecimento e racionalizar o mundo são duas ferramentas indispensáveis dentro da sociedade atual. Mediante a isto, o homem acredita ter deixado para trás sua ignorância e atingido então uma era de um novo conhecimento, uma nova razão. Mas esta razão é que condena o próprio homem. Pois este tornou-se escravo da mesma, enclausurado em uma redoma e incapaz de compreender qualquer coisa fora do âmbito racional.
Claro que isto pode ser dito apenas em uma visão superficial, pois é evidente que isto não é um padrão imutável. Se o fosse, teríamos deixado há muito tempo nossa síntese criativa de lado, a fim de valorizar nossas capacidades racionais. O que aponto na verdade é a ausência do pensar simples. Não como uma apologia ao "voltar à inocência", de forma alguma, mas sim como um meio de abandonar a miríade de idéias e suposições para voltar, ainda que por um momento, para a realidade.
Este pensar simples apresenta-se como uma tentativa de voltar-se às coisas em si, assim como nos propõe a fenomenologia. Deixar, ainda que por um instante de pensar para além do objeto para se fixar no mesmo. É evidente que este comportamento de eterna racionalização não é generalizado, e também apoia-se em bases culturais. Mestres orientais em diversas áreas são categóricos ao afirmar que os ocidentais são extremamente inteligentes, e capazes de uma ampla dedução lógica. Mas desconhecem a lógica do pensar simples, do fazer sem questionar, do viver sem pensar em nada além do agora.
Retornando ao discurso fenomenológico, o pensar simples pode traduzir-se como uma tentativa de voltar-se ao ser em si, colocar-se no mundo e em função dele, atuando num sentido de absorver o externo e não debruçar-se sobre ele, na tentativa de modifica-lo. A grande dificuldade é que a racionalização tem-se feito extremamente presente no mundo todo. O aquecimento global é traduzido em valores de emissão do gás carbônico, enquanto a guerra é traduzida em número de baixas e a sociedade e sua condição econômica são transformadas em índices de uma pesquisa de desenvolvimento populacional. É a razão atuando e devorando o ato em si.
Nenhum número é capaz de refletir de forma tão fiel os destroços da guerra quanto observar os corpos dos soldados no chão após um confronto. Nenhum número pode refletir a real miséria de um povo. Estes números, usados para afastar-nos do real, acabam tornando-se nada mais que ferramentas institucionais, nas quais nos apoiamos para deixarmos o fato de lado. Este pensamento racional tornou-se arma, e muitas vezes defesa, contra o mundo real. Mas para resolver os problemas, devemos olhar para eles, e não para a interpretação dos problemas. Ver o fenômeno é identificar-se com ele.
Porém, para isto, é necessária uma transformação do modo de pensar. É óbvio que o pensar simples não deve ser dominante, pois seria simplesmente uma substituição do racional pelo direto e simples. Mas aponto que este deve ser atuante, ou seja, presente, de modo que possa então contribuir para que o homem possa assim caminhar para o futuro, mas sem esquecer das lições que só o real pode proporcionar.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Atualidades sobre emoções

Vejam como o tema "emoção" é atual:

NEUROCIÊNCIA - Suzana Herculano-Houzel

Decisões, decisões...

Estou mais uma vez nos EUA, desta vez para me juntar aos quase 30 mil neurocientistas que participam do congresso anual da especialidade para trocar figurinhas sobre nossas descobertas mais recentes. Deixei para escolher aqui o assunto da coluna, o que logo pareceu uma péssima decisão, dada a concentração altíssima de assuntos por metro quadrado no centro de convenções de San Diego: motivação, atenção, distúrbios variados, estresse, violência e afeto são temas de palestras simultâneas em salas vizinhas. O que escolher? O próprio processo de escolha, ou tomada de decisões, soa, portanto, apropriado. Como o cérebro toma decisões é um assunto quente na neurociência atual: só neste congresso, é possível assistir a mais de 40 palestras sobre o tema no espaço de cinco dias e conversar com outros 172 pesquisadores apresentando seus trabalhos a respeito. A neurociência vem mostrando de várias formas que, ao contrário da crença comum de que as decisões, sobretudo as acertadas, são puramente racionais, as emoções são fundamentais para o processo. Mais do que acrescentar "cor" à vida, as emoções fazem o cérebro sentir na carne os resultados reais de decisões favoráveis ou desfavoráveis e aqueles esperados de ações que podem ter conseqüências positivas ou negativas.
Um novo estudo apresentado no congresso mostra que as emoções participam do processo de decisões até onde se espera de seres humanos os julgamentos mais racionais e imparciais: no tribunal, onde juiz e jurados não têm envolvimento pessoal com os casos julgados e devem decidir quando e quanto punir. Segundo o estudo, decidir punir ou não punir depende de um julgamento de responsabilidade, base da imputabilidade criminal, que de fato envolve processos racionais, com a ativação do córtex pré-frontal. No entanto, decisões sobre quanto punir parecem ser puramente emocionais, relacionadas à ativação da amígdala no cérebro, estrutura responsável pela expressão emocional no corpo.Soa ruim constatar que a punição aplicada a um criminoso pode depender da resposta emocional dos jurados? No auditório ao lado, um especialista em neurocriminologia atesta sobre o resultado da incapacidade de integrar emoções ao nosso processo de decisões: sociopatias, que dão tanto trabalho a juízes e jurados. O componente emocional das decisões, inclusive as legais, talvez seja assim justamente o que mantém saudável uma sociedade que se deseja racional, como a nossa.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent) e de "O Cérebro em Transformação" (ed. Objetiva)
suzanahh@folhasp.com.br

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O passado


São Paulo, quinta-feira, 01 de novembro de 2007

CONTARDO CALLIGARIS


Nada passa, nunca; tudo o que acontece é indelével, sobretudo em se tratando de amor
"O PASSADO ", de Hector Babenco, estreou na última sexta-feira. O filme, que, antes disso, abriu a Mostra de Cinema de São Paulo, é inspirado no romance homônimo de Alan Pauls (Cosac Naify).Resumindo a história ao osso, para não estragar o prazer dos espectadores futuros: Rímini e Sofía se juntam muito jovens e se separam, amistosamente, depois de 12 anos. De uma maneira ou de outra, a relação que eles viveram não os deixa tranqüilos. Na saída do cinema, a conversa era animada. Os amigos (homens) achavam o filme tão apavorador quanto "Atração Fatal", de Adrian Lyne: para eles, Analía Couceyro, como Sofia, era mais inquietante que Glenn Close, justamente por parecer menos louca. Nossos objetos de amor talvez sejam sempre assim, familiares até o dia em que, na hora de uma separação, a própria paixão os torna totalmente estranhos. As amigas respondiam que a causa do problema era a fraqueza do protagonista masculino. De fato, Rímini (Gael García Bernal) parece seguir o desejo de todas as mulheres que ele encontra, sem nunca descobrir e afirmar o seu. Outra discussão dizia respeito ao fim do filme: será que Rímini conseguira se livrar do passado, de vez? Eu pensei que não, que talvez ele tivesse conseguido se livrar das atenções incômodas de sua antiga companheira, mas não há amnésia que possa acalmar o passado. A história de Rímini e Sofía me evocou um trecho da autobiografia de Tchecov ("Minha Vida", ed. Nova Alexandria), em que o escritor comenta que o ditado "tudo vai passar" pode tanto aliviar nossa tristeza com a idéia de que dias melhores virão quanto mitigar nossa euforia com a idéia de que as vacas magras voltarão. Mas, por útil que seja, essa sabedoria é falsa: nada passa, nunca; tudo o que acontece é indelével. Acrescento: sobretudo os amores, por mais que acabem, continuam vivendo, subterrâneos, dentro de nós, porque, bem ou mal, são essas as vivências que mais nos formaram e transformaram. A estética do filme de Babenco me tocou tanto quanto a história de Rímini e Sofía. Por exemplo, os personagens circulam por interiores abarrotados de restos do passado: livros, fotografias, quadros, os inúmeros objetos que, a cada mudança de casa, confirmam que nunca conseguimos deixar para trás os vestígios de nossa vida pregressa. Num momento do filme, Rímini se fecha, desesperado, num apartamento vazio; rapidamente, ele se encontra imerso numa montanha de restos: o lixo se acumula como prova irrefutável de que nem na derrelição é possível começar do zero. À primeira vista, isso pode parecer estranho. Afinal, estamos acostumados a pensar que, na modernidade, os indivíduos são definidos por suas potencialidades futuras mais do que pelo passado. Não é assim? Pois é, não exatamente. A modernidade começa quando paramos de deixar que a tradição diga quem somos. Não terei necessariamente a mesma profissão que meu pai, não serei nobre porque ele foi, não viverei no mesmo lugar dos meus antepassados, não escolherei meus amores para preservar a integridade de minha casta, religião ou raça e por aí vai. Mas se o legado da tradição se torna menos relevante, é justamente porque o que me constitui é minha história -não apenas a intensidade do momento e a audácia de meus planos, mas o conjunto das experiências que vivi. No começo da Revolução Francesa, o povo queria fazer tábua rasa: eliminar os nobres pela guilhotina e seus vestígios pelo fogo. Após um vigoroso debate, os vestígios foram poupados, e foram inventados os museus públicos. Poucas décadas depois, nasciam os conceitos de patrimônio histórico e de preservação dos monumentos. Ao mesmo tempo, surgia um interesse, que nunca mais se desmentiu, pela narração e pela compreensão da história. Não funcionamos diferente: é possível guilhotinar os amores do passado ou (menos radical) apagar seus números de nosso celular, é possível até queimar fotografias -embora dificilmente sacrificaremos aquele desenho que compramos juntos, num sábado, na praça Benedito Calixto. De qualquer forma, mais que a lembrança, os rastros do passado sempre assombram o presente e o futuro. Quando decretamos novos começos, ilusórios ou não, nem por isso conseguimos apagar nossa história: podemos apenas contá-la mais uma vez, quem sabe revisá-la ou corrigi-la, para pior ou para melhor.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

O DNA do racismo

James Watson, o co-descobridor da molécula de DNA e ganhador do Nobel de 1953, pisou na bola. Em Londres para a divulgação de seu novo livro "Avoid Boring People" (evite pessoas chatas ou evite chatear as pessoas), ele deu declarações escandalosamente racistas. Acho que nem o Borat ou qualquer outro comediante querendo troçar do politicamente correto teria ido tão longe.
Em entrevista ao jornal britânico "The Sunday Times", o laureado disse na semana passada que africanos são menos inteligentes do que ocidentais e que, por isso, era pessimista em relação ao futuro da África. "Todas as nossas políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles [dos negros] é igual à nossa, apesar de todos os testes dizerem que não", afirmou.
Até aqui, com muito boa vontade para com Watson, poderíamos argumentar que o venerando pesquisador procura apenas exercer sua liberdade acadêmica, afinal, se há mesmo evidências a mostrar que negros são menos inteligentes, ele poderia ter um ponto. Mas já na frase seguinte ele mostrou que seu raciocínio não era exatamente científico: "Pessoas que já lidaram com empregados negros não acreditam que isso [a igualdade de inteligência] seja verdade".
Watson cometeu aqui pelo menos dois grandes pecados epistemológicos --deixemos por ora a questão moral de lado. Falou em "todos os testes" sem dizer quais e fez uma generalização apressada. Eu já lidei com patrões e empregados brancos, negros, amarelos e pardos, com pessoas burras e inteligentes, e posso asseverar que todas as combinações são possíveis.
Como era previsível, a reação às declarações de Watson foram efusivas. Ele foi desconvidado para vários eventos e houve até quem procurasse nos estatutos da Fundação Nobel uma brecha legal para cassar-lhe o prêmio. O experiente cientista, agora com 79 anos, acabou escrevendo um artigo em que pediu desculpas a quem tenha ofendido.
Não há dúvida de que Watson, reincidente em matéria de opiniões preconceituosas, merecia censuras. Receio, porém, que alguns de seus críticos tenham recaído nos mesmos erros que ele, isto é, afirmar coisas que não podem provar e proceder a generalizações problemáticas.
Os testes a que o laureado se referiu são provavelmente as tabelas de Richard Herrnstein e Charles Murray publicadas em "The Bell Curve" (a curva do sino ou a curva normal), de 1994, um dos livros mais explosivos da década passada. A obra pretendia sustentar que a inteligência medida por testes de QI é um fator preditivo de indicadores sociais como salário, gravidez precoce e problemas com a Justiça melhor do que o nível socioeconômico da família. O texto também afirma que negros dos EUA têm em média um QI mais baixo do que o de outros grupos sociais como brancos, judeus, asiáticos.
Sobretudo na imprensa, circulou a versão de que os autores diziam que a inteligência é dada pelos genes, mas Herrnstein e Murray não foram tão longe em seu determinismo. Eles afirmaram que permanece em aberto o debate sobre se e quanto genes e ambiente influem nas diferenças de QI entre os grupos étnicos --o que representa mais ou menos o consenso científico sobre a matéria.
"The Bell Curve" foi competentemente criticado por grande parte do establishment acadêmico norte-americano. De um lado, vieram as objeções conceituais, encabeçadas por cientistas como Stephen Jay Gould, que contestaram a idéia de que a inteligência possa ser reduzida a um teste de QI. Fazê-lo implicaria aceitar uma série de pressupostos de engolir, como o de que uma noção tão complexa possa ser traduzida num único número e que ela permaneça invariável ao longo de toda a vida do indivíduo. Aqui, estudar não serviria para nada além de acumular informações, coisa que computadores fazem melhor do que seres humanos.
Um pouco mais tarde, uma segunda leva de trabalhos, iniciada por Michael Hout e colegas da Universidade de Berkley, mostrou que os próprios dados de Herrnstein e Murray apresentavam problemas metodológicos, que exageravam a importância dos testes de QI como fator preditivo e diminuíam a do background familiar.
O debate é apaixonante, mas eu receio que, da forma como foi travado, ele esconda o ponto central, que é o de mostrar por que o racismo é errado. E essa é muito mais uma questão moral do que científica.
A evidência empírica não favorece o argumento da igualdade entre os homens, pela simples razão de que eles não são iguais. E opor-se ao racismo não pode depender de uma ficção filosófica que começou a ser escrita por John Locke no século 17, ao criar o conceito de "tábula rasa", segundo o qual os homens nascem como uma folha em branco, e que todo o conhecimento que adquirem, bem como as diferenças que acabam por desenvolver, é fruto das condições externas a que são submetidos. Um rápido passeio pelos rudimentos da neurologia mostra que já nascemos, senão prontos, pelo menos com uma série de estruturas mentais pré-definidas. E elas têm muito em comum, mas em certos pontos variam significativamente de pessoa para pessoa. Embora Locke seja um dos pais espirituais do liberalismo, a "tábula rasa" fez carreira entre pensadores de esquerda do século 20. Por alguma razão obscura, em vez de defender que todos devem ter os mesmos direitos (o que já estaria de bom tamanho), resolveram que a igualdade deveria ser um dado da natureza, mesmo que isso contrariasse o senso comum e as observações diretas.
É engraçado como estamos dispostos a aceitar diferenças entre pessoas (fulano é mais inteligente do que ciclano), mas não entre grupos étnicos. Em relação a alguns assuntos, comportamo-nos como se filhos não se parecessem com seus pais, como se não houvesse algo chamado hereditariedade, que em algum grau é dada pelos genes, e contribui para a expressão das mais variadas características de uma pessoa.
Não fazemos objeção a um juízo do tipo: negros são em média mais altos do que japoneses, mas basta alguém sugerir que os asiáticos tenham uma inteligência média (definida por testes de QI) superior à do grupo de ascendência africana para desencadear uma revolução. O mesmo vale para as aptidões femininas para a matemática ou a predisposição masculina para a infidelidade conjugal.
Médias são um conceito traiçoeiro. Representam um valor obtido a partir resultados válidos para vários indivíduos, mas que não podem ser extrapolados a nenhum indivíduo em particular. Na média, a humanidade tem um testículos e um seio. Nossa experiência ensina que é perfeitamente possível encontrar um indivíduo negro mais inteligente (por teste de QI ou qualquer outro critério) do que um branco anglo-saxônico, judeu, coreano ou o que for. Se de fato há uma predisposição de origem genética para a inteligência, como parece que há, ela não chega, exceto em casos patológicos, constituir uma barreira intransponível ao sucesso intelectual de ninguém. A vantagem de uma pessoa mais favorecida pelos genes pode ser facilmente revertida por outras características como a disciplina no estudo, para citar um único exemplo.
O argumento contra o racismo, o sexismo e outras chagas que desde sempre atormentam a humanidade deve ser moral. De outra forma, se um dia inventarem um teste confiável para medir a inteligência e ele mostrar discrepâncias entre grupos, o que acontece? O racismo estará legitimado?
Por maiores que sejam as diferenças entre indivíduos e grupos de indivíduos, quer elas tenham origem nos genes ou no ambiente (ou numa interação entre eles, como parece mais provável), o fato é que é em princípio errado prejulgar alguém por características (reais ou supostas) que não observamos nessa pessoa, mas no grupo ao qual consideramos que ela pertence.
Podemos ir um pouco mais longe e afirmar que o homem tem uma estrutura psíquica que favorece atitudes etnocêntricas e mesmo racistas. Pensamos, afinal, através de operações mentais de categorização e generalização. Se um membro da tribo vizinha uma vez me atacou, é evolucionariamente útil que eu parta do pressuposto de que todos aqueles que pertencem àquela tribo inimiga tentarão me agredir e antecipe o ataque. Só que esse tipo de raciocínio, que fazia sentido no passado darwiniano, perdeu inteiramente a razão de ser em sociedades modernas. Se ele já foi útil para manter-nos vivos, hoje, a exemplo da capacidade de armazenar energia na forma de tecido adiposo, é apenas um estorvo. Serve para separar e fomentar violência. As forças da civilização exigem que abandonemos essa forma primitiva de pensar e utilizemos a razão e não reações instintivas no trato com outros seres humanos. É isso que Watson, mesmo com toda sua genialidade científica, não foi capaz de fazer.

Hélio Schwartsman, 42, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.E-mail: helio@folhasp.com.br

Folha de São Paulo, 25/10/2007

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Ensinar a pensar

O texto a seguir foi uma sugestão da Dagmar (Tatuapé)


Outras idéias - Dulce Critelli


"De pensar morreu um burro." "Quem pensa não faz"... Muitos ditos populares expressam um certo sarcasmo e um desprezo em relação ao pensar, revelando uma crença, alimentada há séculos, de que o pensar atrapalha, emperra a ação, é coisa de quem não tem nada para fazer. Quando se trata, então, da filosofia, esse deboche vai ainda mais longe, afirmando que todo pensador não possui pé na realidade e vive numa torre de marfim. É certo que o tempo da reflexão conflita com a urgência do agir. Mas nem sempre todo agir é assim urgente e, na maioria da vezes, parar para pensar nos salva de decisões equivocadas e prejudiciais. Pensar a respeito de alguma coisa ou de algum acontecimento é compreender os seus verdadeiros sentidos e significados. Um artigo publicado na Folha no dia 1º de outubro deste ano comentava o Saeb, exame federal de avaliação da aprendizagem de alunos do último ano do ensino médio. Mal alfabetizados, esses adolescentes, nas palavras do jornalista, "não conseguem, por exemplo, compreender o efeito de humor provocado por ambigüidade de palavras ou reconhecer diferentes opiniões em um mesmo texto". Quem não sabe ler não sabe distinguir nem rir de fato, nem pensar. É presa fácil de mistificações e sujeições, obediente a tudo o que causar a impressão mais forte. O pensar, diz Sócrates, "abre os olhos do espírito". E isso quer dizer que a reflexão explicita mal-entendidos, desvela segundas intenções, percebe mentiras, desautoriza preconceitos, descobre manipulações... Em decorrência, sentimo-nos capacitados para escolher, dizer não, colocar limites, mudar a ordem das coisas, redefinir destinos, desarticular dominações... Em outras palavras, o pensar prepara nossa liberdade e nossa autonomia tanto quanto nos faz reconhecer as responsabilidades que nos cabem nas situações vividas. Liberdade e autonomia, convenhamos, não são comportamentos muito bem-vindos na esfera político-social, porque ameaçam o poder vigente. E, na esfera da vida privada, a responsabilidade é, na maioria das vezes, temida e recusada pelas pessoas, porque cria encargos e compromissos. Liberdade, autonomia, responsabilidade?... O pensar põe em perigo. E, em grande parte, por isso mesmo, ele é estrategicamente convertido em objeto de escárnio. Ensinar a pensar. É esse o único projeto que poderia nos tirar do atoleiro de pobreza, de violência e de impotência em que vivemos. É um projeto cuja origem não está em nenhuma economia nem ideologia ou política oficial. Não precisa de equipamentos especiais nem depende da criação de uma secretaria do pensamento. É só uma atitude. Ensinar a pensar, aprender a pensar.[...] A REFLEXÃO EXPLICITA MAL-ENTENDIDOS, DESVELA SEGUNDAS INTENÇÕES, DESAUTORIZA PRECONCEITOS, DESCOBRE MANIPULAÇÕES...


DULCE CRITELLI, terapeuta existencial e professora de filosofia da PUC-SP, é autora de "Educação e Dominação Cultural" e "Analítica de Sentido" e coordenadora do Existentia -Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana dulcecritelli@existentia.com.br

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Sobre a liberdade

"(...) A liberdade supõe, ao mesmo tempo, a capacidade cerebral ou intelectual de conceber e fazer escolhas, e a possibilidade de operar essas escolhas dentro do meio exterior. Sem dúvida, há casos em que se pode perder toda a liberdade exterior, estar numa prisão, mas conservar a liberdade intelectual.O sujeito, pode, eventualmente, dispor de liberdade e exercer liberdades. Mas existe toda uma parte do sujeito que não é apenas dependente, mas submissa. E, de resto, não sabemos realmente quando somos livres."

Edgar Morin

(In "A cabeça bem-feita")

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Um Pouco de Poesia...

Para ser grande, sê inteiro: nada
teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis (Fernando Pessoa)
Ficções do Interlúdio

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Como nasce um paradigma


"É MAIS FÁCIL DESINTEGRAR UM ÁTOMO DO QUE UM PRECONCEITO".

Albert Einstein



Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula, em cujo centro puseram uma escada e, sobre ela, um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jato de água fria nos que estavam no chão. Depois de um tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancadas. Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia mais a escada, apesar da tentação. Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo rapidamente retirado pelos outros, que o surraram. Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo não mais subia a escada. Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, da surra ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o fato. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído. Os cientistas ficaram, então, com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam batendo naquele que tentasse chegar às bananas. Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria: "Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui..."

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Medo - A Arma da Política

Inicialmente, gostaria de agradecer ao Prof. Bido pela oportunidade de participar da autoria deste blog. Depois, gostaria de acrescentar que me coloco à disposição para ajudar no desenvolvimento do mesmo.



Durante a leitura da obra de Zygmunt Bauman, intitulada "Tempos Líquidos", tornou-se obvio que a questão política, não só em nosso país, mas também em todo o mundo está comprometida em seu âmbito estrutural. Neste livro, Bauman aponta que o medo é uma marca constante em nossa sociedade, uma vez que o enfraquecimento das relações humanas e a degradação do convívio social por meio do capitalismo, (que enfatiza a competição, e não a cooperação) acabaram por tornar o indivíduo, um ser receoso com relação ao meio que o cerca. Este medo, ampliado à proporções globais, cria "sociedades defendidas" presas em seu suposto "bem estar", mas na verdade, acuadas pela própria sombra.


Assim, frente a uma sociedade descrente e sem esperança, torna-se obvio que a política não tem mais poder. A representação de um país por meio de um governo só sustenta-se à medida em que seu poder é reforçado pela vontade das massas (algo raro em nosso meio). Assim sendo, um governo sem poder perde também seus meios de controle. Só resta um no qual se apoiar: a manipulação do medo.
Uma vez que o governo não pode mais ser visto como útil, tenta mostrar-se então como "necessário para a sobrevivência da nação". Ainda segundo Bauman, ameaças de terrorismo, ondas freqüentes de imigrantes, doenças, tudo não passa de uma imagem exacerbada dos problemas reais, de modo a promover para este governo, uma imagem de "pai protetor", indispensável para que os pobres habitantes da cidade possam sentir-se seguros.



Ainda na mesma perspectiva, mas ampliando-a a nível global, o autor afirma que o governo é o maior colaborador para o desenvolvimento do problema em si. A organização terrorista Al Qaeda nem mesmo era provida de um nome antes do atentado ocorrido no dia 11 de setembro. Porém, após tal evento, a mídia e o governo, em uma "união em prol da segurança nacional" continuaram a divulgar incessantemente imagens vinculadas à supostas ações terroristas, suspeitas de atentados com artefatos explosivos e envenenamento em massa. Então, torna-se impressionante o fato de que 2 anos antes do atentado, pouco se sabia sobre a organização, enquanto que 2 anos depois, seu nome (agora criado) passa a se espalhar rapidamente por todo o mundo. Estaria então o governo de fato combatendo o terrorismo, ou divulgando suas realizações? Estaria minando seu esforços, ou maximizando seus feitos?


Diante desta questão, também fica claro que um governo que controla uma população sufocada pelo próprio medo, não se sentira receoso de tripudiar sobre a situação. Logo, corrupção, escândalos e frases de baixo calão tornam-se a norma. Logo, não resta muito a esperar, pois o grande "pai protetor" é sagaz, e prefere manter seus "filhos" ignorantes quanto a esta situação. A emoção logo, torna-se arma, e o medo impera, para deleite dos que governam.


Acrescento então uma frase de Bauman, de seu livro Amor Líquido, que faz menção à estas questões:


"Aquele que busca a sobrevivência assassinando a humanidade de outros seres humanos sobrevive à morte de sua própria humanidade" (2004)


Para saber mais:


Livros do mesmo autor


Amor Líquido
Medo Líquido
Tempos Líquidos

Sobre a percepção e a física quântica

O materialismo moderno tira das pessoas a necessidade de se sentirem responsáveis, assim como a religião! Mas eu acho que se você levar a Mecânica Quântica a sério, verá que ela coloca a responsabilidade nas nossas mãos e não dá respostas claras e reconfortantes. Ela só diz que o mundo é muito grande e cheio de mistérios.O mecanismo não é a resposta, mas não vou dizer qual é, pois vocês têm idade suficiente para tomarem suas decisões.Por que continuamos recriando a mesma realidade?Por que continuamos tendo os mesmos relacionamentos?Por que continuamos tendo os mesmos empregos repetidamente?Nesse mar infinito de possibilidades que existem à nossa volta, por que continuamos recriando as mesmas realidades?Não é incrível existirem opções e potenciais que desconhecemos?É possível estarmos tão condicionados à nossa rotina, tão condicionados à forma como criam nossas vidas, que compramos a idéia de que não temos controle algum?

Para continuar a ler clique no link para o texto "Quem somos Nós?"

Sobre a culpa



Numa aula recente falamos sobre liberdade e culpa. Veja abaixo um texto sobre o assunto:



(Clique sobre a imagem para vê-la em movimento)

Outras idéias - Michael Kepp





Uma emoção inútil



[...] A GENTE SE CULPA POR PERDER OPORTUNIDADES MESMO QUE, NA ÉPOCA, NÃO TIVESSE ESCOLHA; ISSO NÃO TORNA O ARREPENDIMENTO UMA EMOÇÃO INÚTIL?






Quem não se arrepende de nada? Algumas celebridades citam a música de Edith Piaf ("Non, Je ne Regrette Rien") para parecerem bem resolvidas ou porque sobreviveram a suas decisões erradas. Mas a maioria se arrepende do leite que derramou ou, muito mais comum, que nem conseguiu beber. A gente se culpa por perder oportunidades, mesmo que, na época, não tivesse outra escolha. Isso não torna o arrependimento uma emoção inútil? O taxista se arrepende de não ter feito faculdade apesar de, quando jovem e favelado, não ter tido os meios nem a família que o empurrassem até o objetivo. A suburbana se arrepende de não ter casado com o fazendeiro milionário apesar de, quando adolescente na roça, não ter tido coragem para desobedecer à família que a proibiu. A diretora e roteirista americana Nora Ephron escreveu que se arrepende de não ter, quando jovem, apreciado seu então gracioso pescoço, que envelheceu mal e mais rápido que seu rosto. Mas que jovem admira o próprio pescoço, imaginando como ficará em 50 anos? À medida que envelhecemos, nossos arrependimentos, como nossos pescoços, podem assumir uma forma mais definitiva e desagradável. Günter Grass, o maior autor alemão vivo, abalou a terra natal com sua recente autobiografia, revelando-se arrependido de ter pertencido à infame força de elite de Hitler, a Waffen-SS. Justificou o momento da confissão dizendo que só agora, na velhice, encontrou "a forma para discutir o assunto em um contexto mais amplo". O arrependimento que nasce de todas as chances perdidas é filho da conveniência de um dado momento, ou da falta dela. O que lamentamos não é deixar uma oportunidade de ouro passar, mas simplesmente não estar preparado para aproveitá-la na hora. Nos meus primeiros meses na faculdade, três amigos me imploraram para ir ao que me prometeram ser um piquenique erótico com quatro meninas desinibidas, que haviam acabado de parar na frente do nosso prédio em dois conversíveis. Precisavam de mais um para formar os casais. Eu disse "não" porque tinha que estudar para a prova do dia seguinte. Quando chegaram em casa à noite com sorrisos enormes no rosto, já que o piquenique tinha virado suruba, me xinguei por não ter ido e jurei que não perderia outra dessas, que nunca mais me bateu à porta. Analisando agora, me arrependo não de ter perdido o piquenique, mas de ser virgem quando fui convidado. Não pude aproveitar porque tremia nas bases ao pensar em perder a virgindade na companhia de três homens e mais de uma mulher. Quando nos damos conta do que tínhamos -seja um lindo pescoço ou uma oportunidade erótica, educacional ou matrimonial-, já não é mais nosso para aproveitar. Ainda assim, lamentamos a perda. Grass chamou sua autobiografia de "Descascando a Cebola", porque refletir sobre o próprio passado é uma descoberta que ocorre ao longo do tempo, camada por camada, e produz lágrimas. Mas por que lamentar uma vida que não atingiu a plenitude que esperávamos se percebermos depois que não poderíamos, ou nem queríamos, tê-la vivido de outro modo?



MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record) www.michaelkepp.com.br

Sobre o filme "Tropa de Elite"


CONTARDO CALLIGARIS


"Nóis goza", mas "nóis sofre" de culpa: somos desculpados de nossa inércia pela culpa
NA SEXTA passada, "Tropa de Elite", de José Padilha, estreou em São Paulo e no Rio; amanhã, entrará em cartaz no resto do país. O filme é inspirado no livro "Elite da Tropa" (Objetiva), de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel (os dois últimos são policiais).Padilha nos apresenta um momento de crise na vida do capitão Nascimento (o ótimo Wagner Moura), do Batalhão de Operações Policiais Especiais da PM do Rio. Além do combate entre as forças da ordem e os bandidos do tráfico, há quatro eixos de tensão: a oposição entre o Bope (um pequeno corpo de incorruptíveis treinados para a guerra) e um sistema policial inepto e corrupto; o conflito entre a vida de família do capitão, que vai ser pai, e, do outro lado, a brutalidade de sua tarefa; a luta do capitão contra o desgaste e os efeitos traumáticos de seu dia-a-dia; o embate entre a polícia e os próprios cidadãos de quem ela deveria defender a vida, a tranqüilidade e as posses. Para cada um desses eixos, qualquer cinéfilo poderia evocar vários filmes memoráveis, sobretudo americanos. Mas o embate entre a polícia e os cidadãos que ela defende revela, no filme de Padilha, uma especificidade nacional: nas classes privilegiadas e supostamente "ordeiras", a simpatia pelo crime e a antipatia pela polícia não são efeito, como de costume, de rebeldia e sede de aventuras. Elas nascem de um forte e difuso sentimento de culpa social ou, no mínimo, justificam-se por ele. Mas vamos com calma. Em "Tropa de Elite", o cineasta José Padilha conseguiu, de maneira admirável, suspender o julgamento e apresentar nossa "guerra" cotidiana como um incômodo dilema moral, sem tomar partido. Para alguns, essa suspensão do julgamento valeu como uma negação da culpa social que, aparentemente, segundo eles, deveria orientar nossa compreensão do mundo. Com isso, o filme foi acusado de "idealizar" o Bope e de fazer uma apologia "fascista" do "Estado policial" e da tortura instituída. Essas críticas são descabidas, mas resta a pergunta: será que não é perigoso calar nossa culpa social? Será que a culpa diante da injustiça não é justamente o que nos levaria a entendê-la melhor e a agir? Pois é, nada disso. Respondo: 1) Em regra, a culpa não produz ação, mas descarrego. Funciona da seguinte maneira: somos autorizados a fazer pouco ou nada para que a situação mude porque o sofrimento de nossa consciência nos absolve. Inversão da frase de José Simão: "nóis goza" de muitos privilégios, mas "nóis sofre" de muita culpa. Somos desculpados de nossa inércia pela culpa que sentimos. 2) Também em regra, a culpa é péssima conselheira. Ela induz a acreditar numa contabilidade estapafúrdia, pela qual há cidadãos que devem e outros aos quais é devido, sem a mediação de lei alguma. Assim, Ferréz, na Folha da segunda passada, pode achar que o relógio roubado de Luciano Huck "paga" a miséria de seus assaltantes. Ele se expressa como se a lei não fosse (não devesse ser) a referência comum para todos: o problema não é que assaltar é crime, Huck é culpado e devedor, e o "correria" cobra o devido. Essa maneira de entender o social oferece a todos uma compensação substancial: se a lei não é a referência comum, podemos ser assaltados nos faróis, mas também podemos praticar cada tipo de mediocridade moral e de ilegalidade, sonegar, saquear o bem público, pagar salários de esmola e por aí vai. Em agosto, uma versão inacabada de "Tropa de Elite" foi distribuída ilegalmente em DVD, de camelô em camelô, pelo país afora. Nessa ocasião, houve vozes para justificar a pirataria e racionalizar um desrespeito endêmico à lei. Havia o estilo "eu não serei o único otário", que, grosso modo, diz assim: "Se Renan Calheiros é presidente do Senado, eu posso comprar um DVD pirata". E havia o estilo "está na hora de mudar", em que um ato que nega a propriedade intelectual é justificado diretamente pela injustiça social dominante. Valia tudo, salvo o óbvio: pela lei, piratear é crime. Pois bem, quando a culpa organiza nossa visão do mundo, tudo é permitido, assaltar de moto, a pé, de carro ou de colarinho branco. Se você quiser passar uma hora e meia com o coração na mão e se quiser pensar e viver a realidade nacional um pouco além dos limites impostos pela consciência culpada, não perca "Tropa de Elite".

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Você desejaria viver sua vida novamente?



E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!" -Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que responderias: "Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa:"Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?" Pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?


terça-feira, 9 de outubro de 2007

Não seja um inseto...


I
Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório Samsa deu por si na cama transformado
num gigantesco inseto. Estava deitado sobre o dorso, tão duro que parecia revestido de metal, e, ao
levantar um pouco a cabeça, divisou o arredondado ventre castanho dividido em duros segmentos
arqueados, sobre o qual a colcha dificilmente mantinha a posição e estava a ponto de escorregar.
Comparadas com o resto do corpo, as inúmeras pernas, que eram miseravelmente finas, agitavam-se
desesperadamente diante de seus olhos.
Que me aconteceu? — pensou. Não era nenhum sonho. O quarto, um vulgar quarto humano, apenas
bastante acanhado, ali estava, como de costume, entre as quatro paredes que lhe eram familiares. Por
cima da mesa, onde estava deitado, desembrulhada e em completa desordem, uma série de amostras de
roupas: Samsa era caixeiro-viajante, estava pendurada a fotografia que recentemente recortara de uma
revista ilustrada e colocara numa bonita moldura dourada.
Mostrava uma senhora, de chapéu e estola de peles, rigidamente sentada, a estender ao espectador um
enorme regalo de peles, onde o antebraço sumia!
Gregório desviou então a vista para a janela e deu com o céu nublado — ouviam-se os pingos de chuva a
baterem na calha da janela e isso o fez sentir-se bastante melancólico. Não seria melhor dormir um pouco
e esquecer todo este delírio? — cogitou. Mas era impossível, estava habituado a dormir para o lado
direito e, na presente situação, não podia virar-se. Por mais que se esforçasse por inclinar o corpo para a
direita, tornava sempre a rebolar, ficando de costas. Tentou, pelo menos, cem vezes, fechando os olhos,
para evitar ver as pernas a debaterem-se, e só desistiu quando começou a sentir no flanco uma ligeira dor
entorpecida que nunca antes experimentara.

A METAMORFOSE, de FRANS KAFKA

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Fique querendo



Leiam a interessante reflexão sobre consumo, publicada na Folha de São Paulo:


São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2007


Anna Veronica Mautner

[...] O CONSUMISTA SUSPENDE A SUA APTIDÃO DE PENSAR PARA SE DEIXAR LEVAR PELO GRITO DO SEU DESEJO, COMO UMA CRIANÇA


"Ah! Você quer? Pois que fique querendo, porque querer e ficar esperando não fazem mal a ninguém." É um jeito de falar infantil, até malcriado, mas encerra uma grande verdade. Todos sabemos que "querer não é poder". Conseguir o que se quer depende de treinamento. Os bebês nascem como verdadeiras máquinas desejantes, que precisam de proteção imediatamente. O ar, o leite e o aconchego são vitais. Pela vida afora, temos de continuar a querer isto ou aquilo -uns mais, outros menos urgentes. Esperar é um aprendizado crucial: é assim que desenvolvemos aspectos essenciais da vida mental. Temos de aprender a distinguir, entre as necessidades, a que tem de ser atendida já da que pode esperar. Quando nenês, esperneamos por tudo que queremos. Com o tempo, distinguimos urgências urgentíssimas de outras que podemos protelar. Devagar, o ato de espernear vai sendo substituído por ensaios de pensar. Ninguém nasce pensando -eis algo que demanda treino. Não é um processo simples: são muitas etapas que, ordenadas, resultam em percepções, avaliações, julgamentos e, finalmente, pensamentos. A imagem do desejado ganha representação na nossa mente. Se eu quero uma bola e não a tenho à mão, vou encucar até desistir ou conseguir. Enquanto a tenho na mente, vou matutando jeitos de consegui-la. É nessa espera que reside a importância do "ficar querendo". Quando quero a bola e me dão a bola, não aprendo nada. Se tenho de estender o braço para alcançá-la, já preciso comparar a distância com o comprimento do meu braço. Se nem a tenho à mão nem ao meu alcance, preciso lançar mão de outras aptidões. "Onde a bola costuma ser guardada? Quem a guarda? Quem mais joga bola?" Essa cena é um belo exercício de pensar. Pensar se aprende pensando. Para desejar e realizar o desejo, temos de lançar mão de uma grande quantidade de conhecimentos. Não adianta querer jabuticaba na Arábia ou mesmo aqui, fora de época. A partir da infância, vamos desenvolvendo muitas aptidões que nos levam a memorizar, classificar, distinguir, tudo para melhor vencer as dificuldades. Depois de aprender a esperar, o que não quer dizer parar de querer, nós, enquanto máquinas desejantes, temos de lembrar uma infinidade de "prazos de validade". Guardar uma banana descascada na bolsa é bobagem. Dando um salto de desejante para consumista, defrontamo-nos com outra paisagem. O consumista suspende a sua aptidão de pensar para se deixar levar pelo grito do seu desejo, como uma criança. Outro personagem que suspende seu juízo de valor é o acumulador. Ele não usa os prazos de validade, a capacidade de categorizar: junta tudo, como se fosse tudo igual. Desejar, esperar, selecionar, optar, julgar e rever são aptidões mentais indispensáveis para uma harmônica relação de troca com o mundo. Enquanto esperamos e pensamos, estamos caminhando para a civilidade e para a autonomia.
ANNA VERONICA MAUTNER , psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)
amautner@uol.com.br

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Bem vindos!


Caros alunos:

Esse é um blog para gerenciamento da disciplina e para contato entre os alunos e o professor da disciplina Processos Psicológicos Básicos.

Aproveitem e comentem
 
Boas aulas
 
Bido