quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Boas vindas à turma de 2011!

Caros alunos:

Esse blog é usado pelos alunos da disciplina "Processos Psicológicos Básicos". Nele você vai encontrar textos, discussões, dicas e mais postagens relacionadas ao tema da nossa disciplina.

Espero que você aproveite!

Boas leituras

Bido

domingo, 18 de novembro de 2007

Vida de Incapacidade

Característica presente, a incapacidade individual. Quantos não vivem a proferir que não podem, que tiveram um problema? Quantos colocam-se como vítimas? E quantos assumem seus atos? Quantos falam aquilo que querem falar, sentem aquilo que querem sentir?
Talvez as proporções precisem ser reorganizadas, pois a balança tem pesado demais para um lado só. E de que adianta um mundo de coitados indefesos sem ninguém que queira assumir a responsabilidade de arrebanhar as massas. Somos sim, um mundo sem líder.

Sobre o "pensar simples"

A humanidade encontra-se hoje envolvida pela cortina da razão. Possuir o conhecimento e racionalizar o mundo são duas ferramentas indispensáveis dentro da sociedade atual. Mediante a isto, o homem acredita ter deixado para trás sua ignorância e atingido então uma era de um novo conhecimento, uma nova razão. Mas esta razão é que condena o próprio homem. Pois este tornou-se escravo da mesma, enclausurado em uma redoma e incapaz de compreender qualquer coisa fora do âmbito racional.
Claro que isto pode ser dito apenas em uma visão superficial, pois é evidente que isto não é um padrão imutável. Se o fosse, teríamos deixado há muito tempo nossa síntese criativa de lado, a fim de valorizar nossas capacidades racionais. O que aponto na verdade é a ausência do pensar simples. Não como uma apologia ao "voltar à inocência", de forma alguma, mas sim como um meio de abandonar a miríade de idéias e suposições para voltar, ainda que por um momento, para a realidade.
Este pensar simples apresenta-se como uma tentativa de voltar-se às coisas em si, assim como nos propõe a fenomenologia. Deixar, ainda que por um instante de pensar para além do objeto para se fixar no mesmo. É evidente que este comportamento de eterna racionalização não é generalizado, e também apoia-se em bases culturais. Mestres orientais em diversas áreas são categóricos ao afirmar que os ocidentais são extremamente inteligentes, e capazes de uma ampla dedução lógica. Mas desconhecem a lógica do pensar simples, do fazer sem questionar, do viver sem pensar em nada além do agora.
Retornando ao discurso fenomenológico, o pensar simples pode traduzir-se como uma tentativa de voltar-se ao ser em si, colocar-se no mundo e em função dele, atuando num sentido de absorver o externo e não debruçar-se sobre ele, na tentativa de modifica-lo. A grande dificuldade é que a racionalização tem-se feito extremamente presente no mundo todo. O aquecimento global é traduzido em valores de emissão do gás carbônico, enquanto a guerra é traduzida em número de baixas e a sociedade e sua condição econômica são transformadas em índices de uma pesquisa de desenvolvimento populacional. É a razão atuando e devorando o ato em si.
Nenhum número é capaz de refletir de forma tão fiel os destroços da guerra quanto observar os corpos dos soldados no chão após um confronto. Nenhum número pode refletir a real miséria de um povo. Estes números, usados para afastar-nos do real, acabam tornando-se nada mais que ferramentas institucionais, nas quais nos apoiamos para deixarmos o fato de lado. Este pensamento racional tornou-se arma, e muitas vezes defesa, contra o mundo real. Mas para resolver os problemas, devemos olhar para eles, e não para a interpretação dos problemas. Ver o fenômeno é identificar-se com ele.
Porém, para isto, é necessária uma transformação do modo de pensar. É óbvio que o pensar simples não deve ser dominante, pois seria simplesmente uma substituição do racional pelo direto e simples. Mas aponto que este deve ser atuante, ou seja, presente, de modo que possa então contribuir para que o homem possa assim caminhar para o futuro, mas sem esquecer das lições que só o real pode proporcionar.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Atualidades sobre emoções

Vejam como o tema "emoção" é atual:

NEUROCIÊNCIA - Suzana Herculano-Houzel

Decisões, decisões...

Estou mais uma vez nos EUA, desta vez para me juntar aos quase 30 mil neurocientistas que participam do congresso anual da especialidade para trocar figurinhas sobre nossas descobertas mais recentes. Deixei para escolher aqui o assunto da coluna, o que logo pareceu uma péssima decisão, dada a concentração altíssima de assuntos por metro quadrado no centro de convenções de San Diego: motivação, atenção, distúrbios variados, estresse, violência e afeto são temas de palestras simultâneas em salas vizinhas. O que escolher? O próprio processo de escolha, ou tomada de decisões, soa, portanto, apropriado. Como o cérebro toma decisões é um assunto quente na neurociência atual: só neste congresso, é possível assistir a mais de 40 palestras sobre o tema no espaço de cinco dias e conversar com outros 172 pesquisadores apresentando seus trabalhos a respeito. A neurociência vem mostrando de várias formas que, ao contrário da crença comum de que as decisões, sobretudo as acertadas, são puramente racionais, as emoções são fundamentais para o processo. Mais do que acrescentar "cor" à vida, as emoções fazem o cérebro sentir na carne os resultados reais de decisões favoráveis ou desfavoráveis e aqueles esperados de ações que podem ter conseqüências positivas ou negativas.
Um novo estudo apresentado no congresso mostra que as emoções participam do processo de decisões até onde se espera de seres humanos os julgamentos mais racionais e imparciais: no tribunal, onde juiz e jurados não têm envolvimento pessoal com os casos julgados e devem decidir quando e quanto punir. Segundo o estudo, decidir punir ou não punir depende de um julgamento de responsabilidade, base da imputabilidade criminal, que de fato envolve processos racionais, com a ativação do córtex pré-frontal. No entanto, decisões sobre quanto punir parecem ser puramente emocionais, relacionadas à ativação da amígdala no cérebro, estrutura responsável pela expressão emocional no corpo.Soa ruim constatar que a punição aplicada a um criminoso pode depender da resposta emocional dos jurados? No auditório ao lado, um especialista em neurocriminologia atesta sobre o resultado da incapacidade de integrar emoções ao nosso processo de decisões: sociopatias, que dão tanto trabalho a juízes e jurados. O componente emocional das decisões, inclusive as legais, talvez seja assim justamente o que mantém saudável uma sociedade que se deseja racional, como a nossa.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent) e de "O Cérebro em Transformação" (ed. Objetiva)
suzanahh@folhasp.com.br

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O passado


São Paulo, quinta-feira, 01 de novembro de 2007

CONTARDO CALLIGARIS


Nada passa, nunca; tudo o que acontece é indelével, sobretudo em se tratando de amor
"O PASSADO ", de Hector Babenco, estreou na última sexta-feira. O filme, que, antes disso, abriu a Mostra de Cinema de São Paulo, é inspirado no romance homônimo de Alan Pauls (Cosac Naify).Resumindo a história ao osso, para não estragar o prazer dos espectadores futuros: Rímini e Sofía se juntam muito jovens e se separam, amistosamente, depois de 12 anos. De uma maneira ou de outra, a relação que eles viveram não os deixa tranqüilos. Na saída do cinema, a conversa era animada. Os amigos (homens) achavam o filme tão apavorador quanto "Atração Fatal", de Adrian Lyne: para eles, Analía Couceyro, como Sofia, era mais inquietante que Glenn Close, justamente por parecer menos louca. Nossos objetos de amor talvez sejam sempre assim, familiares até o dia em que, na hora de uma separação, a própria paixão os torna totalmente estranhos. As amigas respondiam que a causa do problema era a fraqueza do protagonista masculino. De fato, Rímini (Gael García Bernal) parece seguir o desejo de todas as mulheres que ele encontra, sem nunca descobrir e afirmar o seu. Outra discussão dizia respeito ao fim do filme: será que Rímini conseguira se livrar do passado, de vez? Eu pensei que não, que talvez ele tivesse conseguido se livrar das atenções incômodas de sua antiga companheira, mas não há amnésia que possa acalmar o passado. A história de Rímini e Sofía me evocou um trecho da autobiografia de Tchecov ("Minha Vida", ed. Nova Alexandria), em que o escritor comenta que o ditado "tudo vai passar" pode tanto aliviar nossa tristeza com a idéia de que dias melhores virão quanto mitigar nossa euforia com a idéia de que as vacas magras voltarão. Mas, por útil que seja, essa sabedoria é falsa: nada passa, nunca; tudo o que acontece é indelével. Acrescento: sobretudo os amores, por mais que acabem, continuam vivendo, subterrâneos, dentro de nós, porque, bem ou mal, são essas as vivências que mais nos formaram e transformaram. A estética do filme de Babenco me tocou tanto quanto a história de Rímini e Sofía. Por exemplo, os personagens circulam por interiores abarrotados de restos do passado: livros, fotografias, quadros, os inúmeros objetos que, a cada mudança de casa, confirmam que nunca conseguimos deixar para trás os vestígios de nossa vida pregressa. Num momento do filme, Rímini se fecha, desesperado, num apartamento vazio; rapidamente, ele se encontra imerso numa montanha de restos: o lixo se acumula como prova irrefutável de que nem na derrelição é possível começar do zero. À primeira vista, isso pode parecer estranho. Afinal, estamos acostumados a pensar que, na modernidade, os indivíduos são definidos por suas potencialidades futuras mais do que pelo passado. Não é assim? Pois é, não exatamente. A modernidade começa quando paramos de deixar que a tradição diga quem somos. Não terei necessariamente a mesma profissão que meu pai, não serei nobre porque ele foi, não viverei no mesmo lugar dos meus antepassados, não escolherei meus amores para preservar a integridade de minha casta, religião ou raça e por aí vai. Mas se o legado da tradição se torna menos relevante, é justamente porque o que me constitui é minha história -não apenas a intensidade do momento e a audácia de meus planos, mas o conjunto das experiências que vivi. No começo da Revolução Francesa, o povo queria fazer tábua rasa: eliminar os nobres pela guilhotina e seus vestígios pelo fogo. Após um vigoroso debate, os vestígios foram poupados, e foram inventados os museus públicos. Poucas décadas depois, nasciam os conceitos de patrimônio histórico e de preservação dos monumentos. Ao mesmo tempo, surgia um interesse, que nunca mais se desmentiu, pela narração e pela compreensão da história. Não funcionamos diferente: é possível guilhotinar os amores do passado ou (menos radical) apagar seus números de nosso celular, é possível até queimar fotografias -embora dificilmente sacrificaremos aquele desenho que compramos juntos, num sábado, na praça Benedito Calixto. De qualquer forma, mais que a lembrança, os rastros do passado sempre assombram o presente e o futuro. Quando decretamos novos começos, ilusórios ou não, nem por isso conseguimos apagar nossa história: podemos apenas contá-la mais uma vez, quem sabe revisá-la ou corrigi-la, para pior ou para melhor.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

O DNA do racismo

James Watson, o co-descobridor da molécula de DNA e ganhador do Nobel de 1953, pisou na bola. Em Londres para a divulgação de seu novo livro "Avoid Boring People" (evite pessoas chatas ou evite chatear as pessoas), ele deu declarações escandalosamente racistas. Acho que nem o Borat ou qualquer outro comediante querendo troçar do politicamente correto teria ido tão longe.
Em entrevista ao jornal britânico "The Sunday Times", o laureado disse na semana passada que africanos são menos inteligentes do que ocidentais e que, por isso, era pessimista em relação ao futuro da África. "Todas as nossas políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles [dos negros] é igual à nossa, apesar de todos os testes dizerem que não", afirmou.
Até aqui, com muito boa vontade para com Watson, poderíamos argumentar que o venerando pesquisador procura apenas exercer sua liberdade acadêmica, afinal, se há mesmo evidências a mostrar que negros são menos inteligentes, ele poderia ter um ponto. Mas já na frase seguinte ele mostrou que seu raciocínio não era exatamente científico: "Pessoas que já lidaram com empregados negros não acreditam que isso [a igualdade de inteligência] seja verdade".
Watson cometeu aqui pelo menos dois grandes pecados epistemológicos --deixemos por ora a questão moral de lado. Falou em "todos os testes" sem dizer quais e fez uma generalização apressada. Eu já lidei com patrões e empregados brancos, negros, amarelos e pardos, com pessoas burras e inteligentes, e posso asseverar que todas as combinações são possíveis.
Como era previsível, a reação às declarações de Watson foram efusivas. Ele foi desconvidado para vários eventos e houve até quem procurasse nos estatutos da Fundação Nobel uma brecha legal para cassar-lhe o prêmio. O experiente cientista, agora com 79 anos, acabou escrevendo um artigo em que pediu desculpas a quem tenha ofendido.
Não há dúvida de que Watson, reincidente em matéria de opiniões preconceituosas, merecia censuras. Receio, porém, que alguns de seus críticos tenham recaído nos mesmos erros que ele, isto é, afirmar coisas que não podem provar e proceder a generalizações problemáticas.
Os testes a que o laureado se referiu são provavelmente as tabelas de Richard Herrnstein e Charles Murray publicadas em "The Bell Curve" (a curva do sino ou a curva normal), de 1994, um dos livros mais explosivos da década passada. A obra pretendia sustentar que a inteligência medida por testes de QI é um fator preditivo de indicadores sociais como salário, gravidez precoce e problemas com a Justiça melhor do que o nível socioeconômico da família. O texto também afirma que negros dos EUA têm em média um QI mais baixo do que o de outros grupos sociais como brancos, judeus, asiáticos.
Sobretudo na imprensa, circulou a versão de que os autores diziam que a inteligência é dada pelos genes, mas Herrnstein e Murray não foram tão longe em seu determinismo. Eles afirmaram que permanece em aberto o debate sobre se e quanto genes e ambiente influem nas diferenças de QI entre os grupos étnicos --o que representa mais ou menos o consenso científico sobre a matéria.
"The Bell Curve" foi competentemente criticado por grande parte do establishment acadêmico norte-americano. De um lado, vieram as objeções conceituais, encabeçadas por cientistas como Stephen Jay Gould, que contestaram a idéia de que a inteligência possa ser reduzida a um teste de QI. Fazê-lo implicaria aceitar uma série de pressupostos de engolir, como o de que uma noção tão complexa possa ser traduzida num único número e que ela permaneça invariável ao longo de toda a vida do indivíduo. Aqui, estudar não serviria para nada além de acumular informações, coisa que computadores fazem melhor do que seres humanos.
Um pouco mais tarde, uma segunda leva de trabalhos, iniciada por Michael Hout e colegas da Universidade de Berkley, mostrou que os próprios dados de Herrnstein e Murray apresentavam problemas metodológicos, que exageravam a importância dos testes de QI como fator preditivo e diminuíam a do background familiar.
O debate é apaixonante, mas eu receio que, da forma como foi travado, ele esconda o ponto central, que é o de mostrar por que o racismo é errado. E essa é muito mais uma questão moral do que científica.
A evidência empírica não favorece o argumento da igualdade entre os homens, pela simples razão de que eles não são iguais. E opor-se ao racismo não pode depender de uma ficção filosófica que começou a ser escrita por John Locke no século 17, ao criar o conceito de "tábula rasa", segundo o qual os homens nascem como uma folha em branco, e que todo o conhecimento que adquirem, bem como as diferenças que acabam por desenvolver, é fruto das condições externas a que são submetidos. Um rápido passeio pelos rudimentos da neurologia mostra que já nascemos, senão prontos, pelo menos com uma série de estruturas mentais pré-definidas. E elas têm muito em comum, mas em certos pontos variam significativamente de pessoa para pessoa. Embora Locke seja um dos pais espirituais do liberalismo, a "tábula rasa" fez carreira entre pensadores de esquerda do século 20. Por alguma razão obscura, em vez de defender que todos devem ter os mesmos direitos (o que já estaria de bom tamanho), resolveram que a igualdade deveria ser um dado da natureza, mesmo que isso contrariasse o senso comum e as observações diretas.
É engraçado como estamos dispostos a aceitar diferenças entre pessoas (fulano é mais inteligente do que ciclano), mas não entre grupos étnicos. Em relação a alguns assuntos, comportamo-nos como se filhos não se parecessem com seus pais, como se não houvesse algo chamado hereditariedade, que em algum grau é dada pelos genes, e contribui para a expressão das mais variadas características de uma pessoa.
Não fazemos objeção a um juízo do tipo: negros são em média mais altos do que japoneses, mas basta alguém sugerir que os asiáticos tenham uma inteligência média (definida por testes de QI) superior à do grupo de ascendência africana para desencadear uma revolução. O mesmo vale para as aptidões femininas para a matemática ou a predisposição masculina para a infidelidade conjugal.
Médias são um conceito traiçoeiro. Representam um valor obtido a partir resultados válidos para vários indivíduos, mas que não podem ser extrapolados a nenhum indivíduo em particular. Na média, a humanidade tem um testículos e um seio. Nossa experiência ensina que é perfeitamente possível encontrar um indivíduo negro mais inteligente (por teste de QI ou qualquer outro critério) do que um branco anglo-saxônico, judeu, coreano ou o que for. Se de fato há uma predisposição de origem genética para a inteligência, como parece que há, ela não chega, exceto em casos patológicos, constituir uma barreira intransponível ao sucesso intelectual de ninguém. A vantagem de uma pessoa mais favorecida pelos genes pode ser facilmente revertida por outras características como a disciplina no estudo, para citar um único exemplo.
O argumento contra o racismo, o sexismo e outras chagas que desde sempre atormentam a humanidade deve ser moral. De outra forma, se um dia inventarem um teste confiável para medir a inteligência e ele mostrar discrepâncias entre grupos, o que acontece? O racismo estará legitimado?
Por maiores que sejam as diferenças entre indivíduos e grupos de indivíduos, quer elas tenham origem nos genes ou no ambiente (ou numa interação entre eles, como parece mais provável), o fato é que é em princípio errado prejulgar alguém por características (reais ou supostas) que não observamos nessa pessoa, mas no grupo ao qual consideramos que ela pertence.
Podemos ir um pouco mais longe e afirmar que o homem tem uma estrutura psíquica que favorece atitudes etnocêntricas e mesmo racistas. Pensamos, afinal, através de operações mentais de categorização e generalização. Se um membro da tribo vizinha uma vez me atacou, é evolucionariamente útil que eu parta do pressuposto de que todos aqueles que pertencem àquela tribo inimiga tentarão me agredir e antecipe o ataque. Só que esse tipo de raciocínio, que fazia sentido no passado darwiniano, perdeu inteiramente a razão de ser em sociedades modernas. Se ele já foi útil para manter-nos vivos, hoje, a exemplo da capacidade de armazenar energia na forma de tecido adiposo, é apenas um estorvo. Serve para separar e fomentar violência. As forças da civilização exigem que abandonemos essa forma primitiva de pensar e utilizemos a razão e não reações instintivas no trato com outros seres humanos. É isso que Watson, mesmo com toda sua genialidade científica, não foi capaz de fazer.

Hélio Schwartsman, 42, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.E-mail: helio@folhasp.com.br

Folha de São Paulo, 25/10/2007

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Ensinar a pensar

O texto a seguir foi uma sugestão da Dagmar (Tatuapé)


Outras idéias - Dulce Critelli


"De pensar morreu um burro." "Quem pensa não faz"... Muitos ditos populares expressam um certo sarcasmo e um desprezo em relação ao pensar, revelando uma crença, alimentada há séculos, de que o pensar atrapalha, emperra a ação, é coisa de quem não tem nada para fazer. Quando se trata, então, da filosofia, esse deboche vai ainda mais longe, afirmando que todo pensador não possui pé na realidade e vive numa torre de marfim. É certo que o tempo da reflexão conflita com a urgência do agir. Mas nem sempre todo agir é assim urgente e, na maioria da vezes, parar para pensar nos salva de decisões equivocadas e prejudiciais. Pensar a respeito de alguma coisa ou de algum acontecimento é compreender os seus verdadeiros sentidos e significados. Um artigo publicado na Folha no dia 1º de outubro deste ano comentava o Saeb, exame federal de avaliação da aprendizagem de alunos do último ano do ensino médio. Mal alfabetizados, esses adolescentes, nas palavras do jornalista, "não conseguem, por exemplo, compreender o efeito de humor provocado por ambigüidade de palavras ou reconhecer diferentes opiniões em um mesmo texto". Quem não sabe ler não sabe distinguir nem rir de fato, nem pensar. É presa fácil de mistificações e sujeições, obediente a tudo o que causar a impressão mais forte. O pensar, diz Sócrates, "abre os olhos do espírito". E isso quer dizer que a reflexão explicita mal-entendidos, desvela segundas intenções, percebe mentiras, desautoriza preconceitos, descobre manipulações... Em decorrência, sentimo-nos capacitados para escolher, dizer não, colocar limites, mudar a ordem das coisas, redefinir destinos, desarticular dominações... Em outras palavras, o pensar prepara nossa liberdade e nossa autonomia tanto quanto nos faz reconhecer as responsabilidades que nos cabem nas situações vividas. Liberdade e autonomia, convenhamos, não são comportamentos muito bem-vindos na esfera político-social, porque ameaçam o poder vigente. E, na esfera da vida privada, a responsabilidade é, na maioria das vezes, temida e recusada pelas pessoas, porque cria encargos e compromissos. Liberdade, autonomia, responsabilidade?... O pensar põe em perigo. E, em grande parte, por isso mesmo, ele é estrategicamente convertido em objeto de escárnio. Ensinar a pensar. É esse o único projeto que poderia nos tirar do atoleiro de pobreza, de violência e de impotência em que vivemos. É um projeto cuja origem não está em nenhuma economia nem ideologia ou política oficial. Não precisa de equipamentos especiais nem depende da criação de uma secretaria do pensamento. É só uma atitude. Ensinar a pensar, aprender a pensar.[...] A REFLEXÃO EXPLICITA MAL-ENTENDIDOS, DESVELA SEGUNDAS INTENÇÕES, DESAUTORIZA PRECONCEITOS, DESCOBRE MANIPULAÇÕES...


DULCE CRITELLI, terapeuta existencial e professora de filosofia da PUC-SP, é autora de "Educação e Dominação Cultural" e "Analítica de Sentido" e coordenadora do Existentia -Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana dulcecritelli@existentia.com.br